sábado, 10 de janeiro de 2009

Aquiles, o incompreendido que acabou com a minha carreira...

Recentemente me caiu às mãos a edição inglesa do livro “Stone Alone”, a auto-biografia de Bill Wyman, baixista e fundador dos Rolling Stones (um grande livro que infelizmente não foi editado no Brasil). Em determinado trecho, fazendo uma reflexão sobre a saída do guitarrista Brian Jones do grupo, Wyman assume que talvez tivesse faltado apoio e compreensão para com o colega. A constatação de Wyman me levou a refletir em retrospecto sobre a carreira da Lucas Scariotys, uma banda seminal que tinha substância intelectual, e, com a chegada de Aquiles Priester, passou a ter também qualidade técnica. Me veio à cabeça a inevitável pergunta desses momentos: "Não deveríamos ter continuado juntos e tentado obter mais?" E cheguei à mesma conclusão que sobressai da reflexão do baixista dos Stones acerca do episódio com Brian Jones. Alguns acontecimentos podem ser claramente debitados à juventude e à inexperiência de quem neles está envolvido.

Já muito jovem, o Aquiles era tão focado e tão pré-determinado naquilo que queria fazer que nós não conseguíamos entendê-lo. Ele estava quase sempre além da nossa compreensão. Lá, no final da década de 80, ainda não tínhamos lidado em nossas breves vidas com esse tipo de postura. O que para ele era essência, para nós representava perfeccionismo e profissionalismo despropositais. Enfim, exageros diante de nossas pretensões de então, que eram menos tocar decentemente do que bradar contra o sistema e o tédio.

Hoje sei que ficamos devendo ao Aquiles, que ele merecia muito mais do que teve com a Lucas. Mas essa breve reflexão sobre a incompreensão não é um mea culpa, até porque, dado o vulto que o baterista do Angra hoje alcança, isso não faria o menor sentido. Falo disso para jogar ainda mais luz sobre o valor do Aquiles enquanto um aguerrido lutador. Naqueles anos em que tocamos juntos, não o vi descansar um dia sequer da batalha para a qual foi convocado por alguma força superior para que se transformasse num grande músico.

Outro dia tive a oportunidade de vê-lo tocar em Brasília, e enquanto assistia ao seu show solo pensava em todos os percalços que ele havia enfrentado para chegar até aquele nível de reconhecimento: um teatro lotado de pessoas absolutamente rendidas por seu talento e técnica.

Além da incompreensão que mencionei, o Aquiles teve que superar também barreiras materiais para chegar aonde está. Todos nós sabemos que música exige dispêndio de recursos e tempo. Boa parte dos músicos com carreira estabelecida hoje no país tinha alguma condição e influência familiar que permitiu certo conforto e tranqüilidade para incursionar pela carreira artística. O Aquiles não teve nada disso em seu início. Sempre precisou dar duro para bancar a carreira. Isto é, teve que viver anos como uma pessoa comum convivendo com a consciência de que, pelo talento, não era uma pessoa comum. Tinha que fazê-lo por pura necessidade.

Talvez isso também explique porque ele sempre foi e é inacreditavelmente solícito (para um artista) com quem o procura. No back stage do show de Brasília, o vi atender com muita paciência e simpatia todos que dele se aproximavam para fotos (ah! os temíveis celulares com câmera), autógrafos ou uma simples troca de palavras. É notável que ele não se importe em gastar energia nesses momentos. E digo isso com conhecimento de causa, pois como jornalista de cultura estive em muitos bastidores de shows de música, de peças teatrais e de festivais de cinema em minha vida.

Mas eu não poderia encerrar este texto sem também falar mal do "Animal", seu codinome em Porto Alegre. Pois saibam, leitores, que Aquiles Priester acabou com a minha carreira de baixista. Depois de ter tocado com ele, nunca mais pude olhar para outros bateristas sem torcer o nariz e desconfiar da capacidade dos caras. Por isso, acabei abandonando muito cedo projetos para os quais fui chamado depois da minha experiência com o Aquiles. Como todas as bandas em que atua hoje têm excelentes baixistas (o que não é o meu caso, deve ser dito a bem da verdade), penso que por culpa dele vou acabar os meus dias escrevendo.
Carlos Dias Lopes (Jack)
É jornalista colaborador da Rolling Stone. Tocou com Aquiles de 1988 a 1993, nas bandas Lucas Scariotys e Raro Efeito, de Porto Alegre.

Um comentário:

Equipe APP disse...

[Priscilla Mamus]
Bom...pelo texto, acho que o Aquiles contribuiu muito com o Carlos.... talvez este seja melhor escrevendo bons textos como esse!!!!
26/06/2007 14:11
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[Paulo Otavio]
Issu é uma prova de "nunca desista dos seus sonhos!"
25/06/2007 20:07
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[Mari Ruete]
nossa, muito expressivo e bom o texto! O Carlos conseguiu colocar no papel o que a gente sente que o Aquiles é =] e porque ele merece tanto o que conquistou hoje!! =]]
25/06/2007 20:04
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[Carol]
Q lindoo!!!! Isso sim é q é força de vontade =)!!!!
25/06/2007 12:18
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[Má Dickinson]
Tá ai mais uma prova da força de vontade do Aquiles...ele tinha um objetivo e foi atrás superando tudo!!!
25/06/2007 07:42
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[Cielle]
Que lindo, bicho... Meu professor dizia que um cara pra ser gênio, tem sempre que estar à frente do seu tempo. [= Acho que ele estava certo, então. Mas o Carlos escreve muito bem, não precisa se preocupar com a carreira abandonada de baixista =P
25/06/2007 01:12